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Por que nossos planos urbanos não prosperam?

No início de 2017, o então recém empossado e hoje ex-prefeito João Dória decidiu engavetar a proposta do plano urbanístico conhecido como Arco Tietê (1), uma das principais construções da administração anterior. O projeto de lei, que aguardava para ser apreciado pelo plenário da Câmara, foi arquivado por meio de um decreto protocolado em 06/04/2017, uma quinta-feira, às vésperas da Semana Santa (2). O plano, que não chegou a ser sequer apreciado pelo plenário, abrangeria uma área de 54 km², alcançaria mais de 422 mil habitantes e pressupunha uma estratégia de desenvolvimento com impacto em 15 bairros diferentes ao longo das margens norte e sul do rio Tietê.



Perplexos com o silencioso fim deste plano, construído com tanto barulho – sua elaboração envolveu numerosas audiências públicas, além de uma plataforma digital –, resolvemos discutir os possíveis motivos pelos quais os esforços de moldar o processo de urbanização em nossas cidades seguem encontrando entraves que impossibilitam sua concretização.



O Arco Tietê não é um caso isolado: a lista de projetos urbanos engavetados é grande. Os poucos planos urbanos que, ao longo da história de São Paulo, se concretizaram como intervenções no território em grande escala não chegam a constituir um padrão consistente de políticas públicas territoriais. Esse modelo de planejamento urbano resulta num distanciamento da sociedade civil e sofre com os desvios da política do Estado, que é polarizada e descontínua.



Este artigo é produto do trabalho desenvolvido pelos alunos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Escola da Cidade (3), dentro da disciplina de Planejamento Urbano do oitavo semestre, que coloca o desafio de compreender o Plano do Arco Tietê. Nesta reflexão, procuramos entender a intrincada rede de inter-relações que existem por trás do engavetamento dos planos urbanos, bem como reunir esforços para que esses planos possam vir a se concretizar.



Neste momento, nos perguntamos: enquanto estudantes de arquitetura, com quem devemos dialogar? Como conseguir influenciar decisões sobre as políticas públicas? E o principal: por que não agimos? A cidade é de interesse da sociedade como um todo; entretanto, manifestar nossa responsabilidade profissional, pensando o futuro urbano a partir do interesse coletivo, não tem tido influência suficiente frente aos governos ou ao avanço dos interesses econômicos e imobiliários. Interesses que, via de regra, são o motor do desenvolvimento de São Paulo e que raramente dialogam com aqueles que realmente utilizam os espaços da cidade, deixando de lado boa parte da discussão acerca do acesso democrático à cidade e à moradia.



1. O Plano para o Arco Tietê



A cidade de São Paulo ultrapassou, em 2017, a marca dos 12 milhões de habitantes. Mesmo tendo, nas primeiras décadas do século XXI, um crescimento populacional mais baixo do que em qualquer momento anterior de sua história demográfica documentada, a cidade continua liderando a lista das mais populosas do Brasil e segue na posição de maior PIB municipal do país. Esse contexto socioeconômico determina o ritmo da capital e exerce enorme pressão sobre o tecido urbano, que se desdobra para suportar essa dinâmica, ao mesmo tempo em que deve lidar com todos os antagonismos e desordens que uma metrópole pode ter.



O Arco Tietê está localizado ao longo do rio Tietê, estendendo-se desde o parque Orlando Villas-Bôas (zona Oeste) até o parque do Belém (zona Leste), em uma das mais estratégicas áreas da cidade de São Paulo, e foi concebido como um PIU - Projeto de Intervenção Urbana (4). Antes industrial e hoje quase sem indústrias, seu perímetro é palco de um extensivo processo de reestruturação produtiva. Operou-se ali, nas últimas décadas, uma rápida desindustrialização econômica, que não foi acompanhada de uma desindustrialização territorial. Ou seja, tivemos uma transição incompleta: a atividade industrial deixou a região, mas lá permanecem seus enormes terrenos, hoje subutilizados, degradados ou mesmo abandonados (5).



É nesse contexto que o plano do Arco Tietê, defendido desde 2012, foi elaborado. Afinado com as tendências mundiais do urbanismo contemporâneo, o plano procura guiar o crescimento urbano dialogando com várias outras questões e assim, por meio de diversas combinações de diretrizes, visa proporcionar o aumento no adensamento populacional, maior mistura de usos nos bairros, melhoramentos ecológicos no que diz respeito às margens do rio Tietê e a criação de novos centros de investimento econômico.



O plano aponta para um caminho de como a gestão pública pode promover a requalificação desta área tão importante e “disputada” (devido à sua capacidade de gerar capital); suas diretrizes territoriais estão alinhadas ao plano de transformação de longo prazo que prevê um desenvolvimento até 2040.



2. O choque de gestão



É importante lembrar que o plano para o eixo do Tietê fazia parte do processo de implementação do Arco do Futuro (6), carro-chefe do plano de governo da gestão Haddad e que, mesmo sendo uma prioridade declarada da gestão, desde 2012, não foi implementado. Outro fato importante é que esse projeto de lei foi enviado à Câmara Municipal apenas duas semanas antes do final do mandato de Haddad, significando que a gestão seguinte teria a incumbência de colocá-lo em prática.



Assim, não é tão inusitado que a gestão seguinte, peessedebista, o tenha retirado para análise e adaptação de acordo com os objetivos declarados durante a campanha. Sabemos que estão sendo estudadas alternativas para a região e que o novo plano ainda será submetido ao Conselho Municipal de Política Urbana, porém não há previsão para que essa revisão seja apresentada e discutida publicamente. (7)



É comum que a mudança de gestão para um governo discordante do anterior leve antigas propostas a serem “engavetadas” enquanto novos planos são criados. Seria isso um reflexo de enfrentamentos políticos? Ou conveniências econômicas? Planos dessa magnitude demandam muito tempo de elaboração. O projeto de lei para o Arco do Tietê pode ser usado como exemplo: levou quatro anos para ser estruturado, tempo que equivale ao de um mandato completo, dificultando sua continuidade. Essa situação ilustra como o descompasso entre o longo tempo de maturação dos projetos urbanos e as descontinuidades políticas decorrentes das trocas de governo impedem boas propostas de prosseguirem e serem devidamente apropriadas pela a população.



3. O desafio econômico



Não obstante, é importante pôr em pauta a dificuldade econômica que o plano encontrou quando foi exposto, particularmente por tratar de áreas de grande diversidade urbana e grande interesse econômico. Planos urbanos dessa abrangência buscam equalizar melhor os usos em cada região por meio das leis de zoneamento e parcelamento do solo, equilibrando habitação, comércio, indústrias, infraestruturas gerais e equipamentos públicos. Para isso, buscam induzir os empreendimentos do setor privado para que atuem em sinergia com os empreendimentos feitos pelo poder público.



O plano foi pensado de modo a atrair novos empreendimentos para a região, promovendo um desejável adensamento do perímetro, aproximando os postos de trabalho com locais de residência. As obras públicas necessárias seriam financiadas por meio da taxação de concessões ou incentivos concedidos ao setor privado, já que a prefeitura atualmente não possui uma reserva significativa de recursos próprios ou mesmo capacidade de endividamento. Na prática, a atuação pública é feita a partir da arrecadação de recursos privados, com a venda de títulos ou a cobrança de taxas para a construção acima do permitido pela lei vigente.



Todavia, as cobranças adicionais para a autorização de construções maiores e as diretrizes para promoção de equidade social provocaram a rejeição do plano pelo setor imobiliário. O projeto do Arco Tietê continha dispositivos que proporcionariam uma redução das diferenças socioeconômicas de toda área, promovendo a mistura de classes sociais e incentivando a construção de unidades de habitação social proporcionalmente às novas unidades de habitação de alto padrão. Tais dispositivos foram tidos como demasiado exigentes pelas grandes empresas, e acabaram se revelando mais um entrave para que o plano fosse aprovado.



4. O desafio da participação social



Apesar do Arco Tietê ter entre seus objetivos a articulação de várias instâncias e forças, o processo de desenvolvimento do plano não foi capaz de criar espaços efetivos de diálogo com a população. Na consulta pública aberta no site da Prefeitura, é possível ler os 42 comentários feitos a respeito do texto que regulamenta o programa de interesse público a ser implementado no perímetro do Arco Tietê, assim como uma única observação feita a respeito da apresentação sobre o Projeto de Intervenção Urbana. Numa era totalmente conectada e que se mostra engajada politicamente, é estranho que só 43 pessoas, frente aos 12,11 milhões de habitantes da cidade, tenham procurado expor sua opinião.



Assim, a maior questão que continuou em pauta, mesmo depois de toda a pesquisa realizada, foi: como podemos atuar em torno desses impasses governamentais, uma vez que é notório que os planos de melhoria para a cidade são reiteradamente desconsiderados? Há uma possibilidade de que essa barreira possa ser transposta com um esforço da população, para que se consiga estabelecer uma continuidade dos projetos mesmo com todas as dificuldades já apontadas.



Na tentativa de estruturar melhores hipóteses, é necessário refletir sobre o engajamento da sociedade civil e sobre as formas de planejamento participativo. De partida, o Plano do PIU Arco Tietê reconheceu que a participação social é um instrumento de gestão democrática da cidade e criou mecanismos para “fortalecer a participação popular nas decisões dos rumos da cidade”. Para isso, foram apresentadas duas formas de participação: a primeira, pela presença ativa da população nos processos decisórios, por meio de audiências públicas, iniciativas de projetos de desenvolvimento urbano e de leis; e a segunda, por meio do acesso à informação, pela divulgação, transparência, possibilidade de consulta e monitoramento constante dos processos do Plano Diretor. A divulgação online foi uma estratégia adotada para que houvesse maior acesso da população ao processo, com linguagem acessível, visual e clara. O registro das consultas, no entanto, foi irrisório.



5. O desafio da diversidade



A área do Arco Tietê concentra grande diversidade populacional e social que, consequentemente, gerou diversas formas de ocupação. A região de várzea do rio é historicamente caracterizada pela ocupação imigrante. Muito ligada à antiga zona industrial da cidade, é também de bairros operários formados por algumas dessas populações, com suas tradições e sociabilidades urbanas características, como nos bairros do Bom Retiro, Pari, Brás, Barra Funda e também do além-Tietê como Vila Guilherme, Vila Maria e Freguesia do Ó.



A chegada de novos moradores e agentes urbanos, muitos deles imigrantes recentes, denota a persistente caracterização desses bairros como lugares assegurados na sua diversidade e relevantes por sua paisagem cultural, em razão da permanência dessas populações. A perspectiva das identidades culturais é tanto um desafio quanto uma potencialidade para pensar as políticas urbanas na região, baseadas na possibilidade de manutenção da vida e das práticas sociais existentes nesses territórios.



Atrelado ao fator histórico, o modo como cada espaço é apropriado também tem ligação direta com as características geográficas do território como, por exemplo, a topografia e a presença de cursos de água. Na margem norte do rio, bairros como Casa Verde e Santana possuem terreno mais acidentado do que a porção sul, o que resulta em malhas viárias mais irregulares, que seguem os desníveis do terreno. Mesmo assim, ainda na margem norte, existem locais em que a declividade é quase imperceptível, como no Campo de Marte e no Sambódromo, conformando uma situação bem diferente da anterior, com quadras muito grandes e viário de formato mais ortogonal.



Essa diversidade, no entanto, não é incomum para um território vasto como o do Arco Tietê. Para melhor compreensão, devemos ter em mente que o projeto urbanístico produzido trata de áreas ao longo do rio Tietê com tamanho equivalente ao da ilha de Manhattan e abrange uma população equivalente à metade de Curitiba. É possível conceber uma política única para um território tão diverso? Não é generalizar demais uma proposta única para áreas com demandas e qualidades tão distintas?



De fato, é complicado implementar planos que abranjam uma área dessa magnitude na cidade contemporânea, que tem a diversidade como um dos fatores mais presentes. Em uma cidade com essas características, é comum que os planos propostos solucionem problemas de uma determinada região, mas acabem tendo impacto negativo na região vizinha, criando conflitos no território.



Um método que pode ser eficiente para quando o plano proposto for de grande escala é criar compartimentos urbanos, isto é, definir unidades menores que englobem áreas com características e demandas semelhantes para, assim, criar um estudo mais aproximado e específico para cada região, entendendo de maneira mais eficiente quais são suas demandas e quais qualidades podem ser potencializadas.



6. O desafio acadêmico



Dentro das realidades acadêmicas, pouco se discute sobre o direito à cidade e nosso pertencimento nos espaços urbanos. Tal discussão é necessária para que pensemos nossos papéis como cidadãos dentro da metrópole, tentando estabelecer um senso coletivo de compartilhamento e preservação do bem comum. O que procuramos aqui é estabelecer um espaço de discussão acerca desses obstáculos e do engajamento individual, convidando todos, e principalmente arquitetos e urbanistas, a refletirem sobre um problema com tantos desdobramentos nas nossas vidas na cidade.



A questão ainda poderia ser discutida no âmbito educacional, em que seria importante construir uma visão de uso da cidade. Provavelmente, não temos o hábito de dividir o espaço público e lutar por ele em razão dessa falta de conversas no âmbito pedagógico. As escolas devem ser o começo de um diálogo entre cidadão-cidade, sendo um ambiente para a construção de uma consciência coletiva de uso do espaço público que resultará na reivindicação de espaços para a comunidade, apreço pela cidade já construída e dissolução do individualismo.



Conclusões



Ressaltando a resistência que se tem construído dentro da política, onde os trâmites governamentais freiam as mudanças urbanas planejadas, pensamos que os fatores que podem contribuir para a dissolução desse ciclo vicioso são: o interesse da população em decisões estruturais dentro da política municipal; a eleição de candidatos que se preocupem com a continuidade de projetos, mesmo nas mudanças de gestão; e o engajamento das pessoas, tanto em discussões na web quanto na pressão sobre os governos para que tais projetos sejam implementados sem interrupção.



Percebemos que a maior barreira para que haja engajamento coletivo na discussão de planos urbanos é o difícil acesso da população a esses projetos de lei. Essas propostas são pouco divulgadas e discutidas, gerando pouco interesse. Constatamos que a falta de comunicação entre sociedade civil e governo torna ineficazes na promoção de diálogo tanto o acesso digital aos projetos urbanos quanto as audiências públicas para discuti-los.



A participação social, numa cidade complexa como São Paulo, deve partir do entendimento de que a sociedade civil não é homogênea. As diferenças sociais, culturais e econômicas envolvem formas distintas de apropriação dos processos que constroem a cidade, muitas vezes em disputa. Nesse sentido, o papel de um Plano Urbano em uma gestão participativa é compatibilizar todas essas formas e demandas, não agindo de forma autoritária, mas podendo suscitar e concretizar espaços ativos em que a população se instrumentalize para tomar as rédeas das operações decisórias.



Como arquitetos e urbanistas, estamos mais acostumados a pensar planos urbanos de forma desarticulada dos territórios e das populações reais que neles vivem. Normalmente, partimos de um plano abstrato em uma prancheta, no conforto de nossos escritórios. Muitas vezes, o capital privado, mais organizado e coeso, dita, por meio de inúmeras revisões de leis e mesmo no engavetamento de um plano como este, os rumos das cidades. Portanto, a necessidade de diálogo com essas forças se mostra imprescindível se desejamos pavimentar um direcionamento delas para o bem comum, em que o que é interesse público seja priorizado.



Como futuros arquitetos, nós compreendemos que nosso papel, para além de nossas pranchetas e escritórios, é apontar para esse problema. Temos que assumir um papel fundamental como articuladores entre as vontades e feitos do Estado, do capital e da sociedade. Devemos compreender de que maneira eles se relacionam, se completam ou se anulam no desenho e concepção das cidades.



Devemos aplicar nossos esforços na compreensão e composição do cenário urbano. É fundamental o incentivo da participação pública, mostrando a relevância de uma gestão participativa. Para isso, é imprescindível que os temas concernentes à vida urbana sejam propagados com abrangência, para orientar a população e sanar a maioria das suas dúvidas sobre legislação, funcionamento da máquina pública e, mais uma vez, os atores responsáveis pela construção da cidade.



Neste artigo, procuramos ressuscitar, de alguma forma, um debate sobre a concepção do espaço urbano e nossos valores como sociedade. Nosso papel como arquitetos, além de instruir a população interessada sobre as complexidades de um plano urbano, passa pela necessidade de conscientização sobre a importância de tais decisões. Mesmo que incipiente, procuramos utilizar essa oportunidade como esse pequeno grito de ajuda, para ver se, de uma vez por todas, começamos a lutar para que nossas políticas públicas sejam concretizadas.





Beatrice Padovan, Camila Ungaro, Giulia Giagio e Guilherme Trevizani são alunos do quarto ano do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Escola da Cidade.



Vinicius Andrade é Arquiteto e Urbanista, professor de Planejamento Urbano na Escola da Cidade.





REFERÊNCIAS



1. Arco Tietê – Sumário Executivo



http://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/wp-content/uploads/2016/10/Sum%C3%A1rio-Executivo-PIU-ACT.pdf

http://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/wp-content/uploads/2014/08/OUCBTFolhasLei.pdf



2. Noticia FSP



https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/06/1895666-gestao-doria-enterra-projeto-urbano-de-haddad-para-regiao-do-rio-tiete.shtml



3. Escola da Cidade



http://www.escoladacidade.org/associacao-escola-da-cidade/escola-da-cidade/



4. PIU



http://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/estruturacao-territorial/piu/



5. Arco Tietê no Plano Diretor de SP



http://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/estruturacao-territorial/arcos/arco-tiete/



6. Arco do Futuro



http://www.capital.sp.gov.br/cidadao/rua-e-bairro/construindo-sao-paulo/arco-do-futuro

http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/chamadas/arcotiete_seminario_diretrizes_1367360079.pdf

http://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/wp-content/uploads/2016/10/Sum%C3%A1rio-Executivo-PIU-ACT.pdf

http://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/wp-content/uploads/2016/10/ACT_PIU_SECOVI_2016-10-03.pdf



7. Participação da população



http://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/noticias/prefeitura-abre-consulta-publica-sobre-o-projeto-de-intervencao-urbana-piu-arco-tiete/?replytocom=2854#respond (1 comentário)

http://minuta.gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/piu-act/ (42 comentários)

http://minutapiuriobranco.gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/ (37 comentários)

Espaço público pra quem?

As motivações que norteiam este trabalho estão em Carapicuíba, cidade da zona oeste da Grande São Paulo, na década de 90 e 00. Na experiência de autoconstrução, da família migrante, operária. Na observação da vivência de tias silenciadas, que não puderam mais trabalhar após o casamento, que aguentavam – e aguentam – caladas, anos de violência doméstica, incrementada com uma série de cobranças religiosas e morais que exigem que elas resistam em nome da família. Parte deste trabalho também é uma reflexão sobre o assédio vivenciado nos espaços públicos desde os 10 anos de idade, do sentimento de medo experimentado a uma simples ida ao mercado, da necessidade de desenvolver estratégias para pensar repostas rápidas para os assédios que certamente ouviria ao pisar na rua. Do medo do transporte público.
Reconheço, contudo que, apesar das tensões de classe e gênero que enfrentei e enfrento, tenho muitos privilégios dentro da estrutura da sociedade brasileira. Sou branca em um país racista onde um jovem negro morre a cada 23 minutos . Tenho uma família nuclear estruturada e um pai presente em um país machista onde em 20% das certidões de nascimento não consta o nome do pai . Fui bolsista por seis anos em uma faculdade de elite, que não aceita programas de inclusão como o Prouni ou o Fies . Por ter plena consciência de que muito da minha trajetória está rodeada de privilégios e não apenas de méritos é que decidi encarar as mazelas deste tema. É partir deste lugar social que decidi tentar abranger ao máximo as questões que envolvem as diversas manifestações do feminino no espaço urbano não apenas dando voz, mas construindo com aquelas a quem tudo é negado como premissa.
Em dezembro de 2016, constatei que tudo o que vinha aprendendo sobre feminismo nos últimos tempos não se aplicava apenas ao dia-a-dia ou às relações pessoais, mas se traduzia em uma metodologia de luta, transversal e que poderia ser aplicada a todo e qualquer debate. Intelectuais como Angela Davis, Judith Butler, Carolina de Jesus, Márcia Tiburi, Simone de Beauvoir começaram a povoar minhas leituras diárias e passei a pensar então como poderia aplicar essa metodologia para enxergar, problematizar e contribuir com o campo que escolhi para atuar profissionalmente: a arquitetura e o urbanismo. Fui desbravando um caminho para mim desconhecido nos estudos da arquitetura e descobri nomes como Zaida Muxi, Ana Falú, Paula Santoro, Ana Gabriela Godinho, Franziska Ullmann, entre outras e entendi que a relação espaço público e gênero poderia vir a ser um tema não só interessante como fundamental para um trabalho de conclusão de curso.
Assim, deu-se a largada a uma busca por referências, discussões e palestras sobre esse tema que, infelizmente, não foi explorado ou sequer citado ao longo dos meus cinco anos de graduação. No percurso, me deparei com arquitetas e antropólogas, que denunciam o apagamento de outras arquitetas na história da arquitetura: Silvana Rubino falando de Charlotte Perriand; Ana Gabriela Godinho, com o livro Arquitetas e Arquiteturas na América Latina do século XX , o blog e página no Facebook Un día, una arquitecta, idealizado por Zaida Muxí, que se propõe a divulgar a história de uma arquiteta por dia e a iniciativa da revista Arquitetas Invisíveis, de jovens alunas da faculdade de arquitetura e urbanismo da UnB – Universidade de Brasília, entre outras.
O primeiro semestre de 2017 começou com a aula intitulada Estúdio Vertical, com o tema Modos de Pensar, Modos de fazer. Formamos, então, um grupo com cinco integrantes e nos questionamos se o espaço público é, de fato, público. Quem são as pessoas que conseguem usufruir plenamente desse espaço?A partir das primeiras leituras, fomos nos dando conta de que os espaços públicos são masculinos, feitos por homens e para homens e que essa configuração pode estar relacionada com a desigualdade na apropriação dos espaços públicos por homens e mulheres.
Voltamo-nos para a forma que a arquitetura e o urbanismo nos são ensinados na faculdade de arquitetura: majoritariamente por homens brancos, heterossexuais, cisgênero , de classe média alta, sob os preceitos da escola modernista de São Paulo, que vem da europeia, ambas compostas majoritariamente por homens, heterossexuais, cis e de classe média alta. Essa constatação não significa que homens nessas condições não estejam aptos a projetar espaços públicos, ela só levanta o questionamento: “será que a cidade projetada quase exclusivamente por esses indivíduos ou sob a perspectiva deles, contemplará as pessoas que não estão nesse grupo social, racial e não pertencem ao “gênero dominante””?
Desconfiávamos que não, a partir de nossas vivências diárias e decidimos construir um trabalho que permitisse o embasamento dessa reflexão. Mulheres sejam elas brancas ou negras, cis ou trans, ricas ou pobres, não são contempladas. E este não pertencimento se agrava em função das camadas de opressão a que estão submetidas esta mulher: quanto mais negra, mais pobre, mais periférica, maior ainda será seu não pertencimento. Ou seja, essa cidade não nos acolhe, não nos protege e não nos convida a nela permanecer.
Essa primeira fase do nosso trabalho resultou em um levantamento bibliográfico do que foi encontrado sobre o assunto e uma cartilha intitulada Como Projetar a Partir da Perspectiva de Gênero, o conjunto leva o nome O Feminino em São Paulo e compõe parte do Acervo da 11ª Bienal de Arquitetura de São Paulo.
No semestre seguinte, sob o tema do Estúdio Vertical, Reconhecer São Paulo e sob a orientação de Lígia Miranda, o grupo continuou o trabalho, com o intuito de entender a cidade a partir das mulheres que aqui moram ou transitam diariamente; somando à reflexão produzida no semestre anterior, entrevistas foram elaboradas com enfoque na relação dessas mulheres com a cidade, além de uma leitura de dados sobre a situação da mulher brasileira com a ajuda de uma série de novas leituras. Como estudantes de arquitetura e como representações do feminino no espaço público, percebemos que a arquitetura e o urbanismo ensinados sob essa perspectiva masculina, branca, própria do chamado “olhar do centro”, não nos contempla em toda a nossa pluralidade. É possível então projetar de forma a contemplar todos os grupos oprimidos e socialmente minoritários?
Algumas leituras clássicas também nos ajudaram neste processo. A ideia de direito à cidade discutida pelo francês Lefebvre e a discussão que faz o brasileiro Milton Santos sobre espaços de segregação e territorialidade foram de extrema importância, além, claro do conceito de interseccionalidade da estadunidense Angela Davis, que destaca a importância de se articular raça, gênero e classe social para se combater as desigualdades intrínsecas ao capitalismo e reveladas em opressões sistêmicas como as provocadas pelo racismo e pelo patriarcado.
Para responder a essa e outras perguntas que surgiram durante o processo de concepção deste trabalho, assumimos uma premissa didática para esclarecer até que ponto existe diferenças na forma em que homens e mulheres vivenciam e pensam a cidade. E que há outros olhares possíveis a partir dos quais podemos projetar, de forma a contemplar mais pessoas para além do “homem universal moderno” (branco, cisgêneros, heterossexual).
Além de sistematizar informações de políticas públicas com recorte de gênero no exterior e no Brasil e demonstrar como as mulheres e a comunidade LGBTI estão perdendo direitos e voz nesses tempos de golpe.
Como produto, produzimos este livro que conta com um levantamento bibliográfico e uma conceitualização dos termos que povoam este debate; um questionário direcionado às mulheres que tem como objetivo entender a relação delas com a cidade e uma cartilha para auxiliar em projetos de urbanismo participativo com enfoque na questão de gênero. O questionário e a cartilha podem ser destacados do conjunto e foram concebidos para serem replicados. Temos com isso a intenção de fomentar a discussão acerca deste tema tão pertinente, sensibilizar planejadoras e planejadores e estudantes de arquitetura e urbanismo e, ainda, ajudar no trabalho de informar a comunidade sobre o direito básico à cidade.

O feminino em São Paulo

Ao nos debruçarmos sobre a cidade de São Paulo, definimos que o recorte seria em determinadas áreas da cidade que sofressem dos mesmos problemas (guardadas as devidas proporções) que Viena e a Catalunha, nos bairros El Congost (Granollers), L’Erm (Manlleu) e Collblanc/Torrassa (l’Hospitalet de l’Obregat), nos quais, os pricipais temas tratados eram a criação de coletivos, conversas e workshops em grupos de mulheres, campanhas de conscientização sobre o tema, melhora da mobilidade, acessibilidade e permeabilidade, eliminação de barreiras visuais, requalificação da iluminação urbana,

Nas diretrizes que propusemos para a cidade, viram-se englobados os seguintes temas:

01. fachada ativa: propõe-se que devem existir usos variados nas fachadas ao longo do dia e da noite, possibilitando que o transeunte veja e seja visto.

02. creches, playgrounds e esportes: criação de uma rede de creches, praças e parques com quadras poliesportivas que fujam dos equipamentos convencionais, com mobiliários adequados que permitam a prática de brincadeiras de grupos menores e de socialização em geral.

03. vida noturna e iluminação: a precariedade da iluminação está intimamente relacionada a casos de assaltos, sequestros, estupros e homícidios, causando uma permanente sensação de insegurança.

04. acessibilidade: simples mudanças no desenho de

equipamentos públicos (piso tátil, corrimão, etc).

05. banheiros públicos: promover a inclusão e igualdade social e a coexistência de indivíduos diversos, priorizando a salubridade da população.

06. comércio e uso misto: intercalar usos ao longo da cidade, mesclando usos diurnos e noturnos.

07. transporte e fluxos: combate a superlotação por meio do aumento das linhas de transporte, da variedade e conexão entre os modais e do aumento da oferta.

08. assistência à mulher: criação de equipamentos que forneçam informação, apoio físico e emocional às mulheres cis e trans, articulados a delegacias da mulher e centros de referência lgbtqia+.

Após as etapas de questionamento (01), estudo de caso (02) e aproximação (03), percebeu-se que seria mais interessante do que realizar um projeto que se aproximasse de uma área específica da cidade, fazer uma junção das informações coletadas ao longo do processo e formatá-los em dois produtos distintos mas complementares: uma cartilha e um livro de processo.

Uma cartilha foi pensada como um veiculador das informações do trabalho de forma mais rápida e voltado para os estudantes e praticantes de Arquitetura, Urbanismo e Paisagismo mas que, ao mesmo tempo, por ter sido feito com uma linguagem acessível, pudesse ser compreendido por qualquer cidadão interessado pelo tema. A cartilha é composta de um “desenho-modelo” do que seria a cidade se contempladas as intervenções propostas na etapa de aproximação (03), diagramas explicativos das etapas de implementação destas e um texto-manifesto a respeito do tema.

“uma cartilha em busca de uma cidade mais justa [ou] como projetar a partir de uma perspectiva de gênero”

“POR UM MUNDO ONDE SEJAMOS SOCIALMENTE IGUAIS, HUMANAMENTE DIFERENTES E TOTALMENTE LIVRES” Rosa Luxemburgo

“o espaço urbano reflete as divisões de papéis tradicionais entre os gêneros, que reservam à mulher o âmbito doméstico e ao homem os espaços públicos. Como consequência, nossas cidades são planejadas e construí- das por homens e para os homens e reproduzem, assim, as relações de poder e dominação entre gêneros, em um jogo onde a presença do feminino não é bem-vinda.”

“estamos em são paulo queremos repensar essa cidade em constante transformação entender essa cidade desde o centro até a periferia lançar um olhar mais cuidadoso para todxs aquelxs que se utilizam dessa cidade a partir de uma perspectiva da vivência feminina em toda a sua pluralidade para criar espaços que possam ser usufruídos por todxs somos jovens estudantes de arquitetura que questionamos a forma como as cidades se consolidaram até então estamos cansados dessa falsa ideia de democracia das grandes cidades. uma cidade pensada unicamente para o homem branco-cis-hétero não atende a todas as demandas de uma sociedade tão complexa queremos entender as pluralidades ao invés de projetar para uma massa generalizada”

O livro, por outro lado, se mostrou como uma ferramenta importante para o trabalho, devido a capacidade de aglutinar as informações coletadas e colocá-las de forma coesa para que se entendesse os percursos pelos quais o trabalho passou. Ao mesmo tempo, formatar todo o conteúdo no formato de um livro é relevante devido a inexistência de uma discussão mais ampla e acessível do tema em questão, bem como sua veiculação e estudo dentro do ambiente acadêmico.

ETAPA 03

Nessa etapa, o grupo se propôs a desenvolver uma cartilha voltada para estudantes de arquitetura, com o fim de questionar a forma como fazemos cidade.

SÃO PAULO E O FEMININO
uma cartilha em busca de uma cidades mais justa [ou] como projetar a partir de uma perspectiva de gênero

“Assédios, estupros e abusos são vividos pelas mulheres nas cidades como se transitassem em espaços que não são seus. Isso é reforçado pelo descuido com serviços comuns, como transporte e iluminação. Em vez de a cidade se adequar às necessidades de suas usuárias, são elas que mudam hábitos, roupas, percursos e horários”

Ana Paula Ferreira

ESTAMXS EM SÃO PAULO. QUEREMXS DESENVOLVER NOVAS MANEIRAS DE PENSAR ESSA CIDADE EM CONSTANTE TRANSFORMAÇÃO. ENTENDER ESSA CIDADE EM SUA TOTALIDADE, DESDE O CENTRO ATÉ A PERIFERIA. LANÇAR UM OLHAR MAIS CUIDADOSO PARA TODXS AQUELXS QUE SE UTILIZAM DESSA CIDADE. PARTIR DE UMA PERSPECTIVA DA VIVÊNCIA FEMININA – EM TODA A SUA PLURALIDADE – PARA CRIAR ESPAÇOS QUE POSSAM SER USUFRUÍDOS POR TODXS.

SOMXS JOVENS ESTUDANTES DE ARQUITETURA QUE QUESTIONAMXS A FORMA COMO AS CIDADES SE CONSOLIDARAM ATÉ ENTÃO. ESTAMXS CANSADXS DESSA FALSA IDEIA DE DEMOCRACIA DAS GRANDES CIDADES. UMA CIDADE PENSADA UNICAMENTE PARA O HOMEM-HÉTERO-BRANCO-CIS NÃO ATENDE A TODAS AS DEMANDAS DE UMA SOCIEDADE TÃO COMPLEXA. QUEREMXS ENTENDER AS PLURALIDADES AO INVÉS DE PROJETAR PARA UMA MASSA GENERALIZADA.

POR QUE SÃO PAULO? DESIGUALDADE SOCIAL. CALÇADAS ESBURACADAS. RACISMO. MORADORES DE RUA. FOME. MEDO.MUROS. INSEGURANÇA. ALAGAMENTOS. CARÊNCIA DE SERVIÇOS PÚBLICOS. PROSTITUIÇÃO. SEDENTARISMO. TRÂNSITO. PEDOFILIA. ESTUPRO. ESTACIONAMENTOS. COMO NÓS, FUTURXS ARQUITETXS, PODEMXS CONTRIBUIR PARA MUDAR ESSA REALIDADE?

POR QUE AS CIDADES NÃO SÃO SEGURAS PARA AS MULHERES?

O espaço urbano é apenas um reflexo dos papéis que foram impostos historicamente para a mulher e para o homem, a casa e os espaços públicos, respectivamente. Essa dominação entre gêneros se reflete no desenho das nossas cidades, onde as regras são ditadas pelos homens (cis – hétero – branco) em um jogo onde a presença do feminino não é bem-vinda.

COMO PODEMXS INTERVIR NO CONTEXTO DE UMA CIDADE JÁ CONSOLIDADA SOBRE UMA PERSPECTIVA MASCULINA?

Para intervir em São Paulo, é preciso compreender as dinâmicas internas já existentes e questionar sua viabilidade. Entender as pessoas que realmente vivem e utilizam o espaço e como essa realidade deveria ser melhorada. Assim elencamos uma série de medidas pontuais que podem ser aplicadas na cidade existente, sem ter de fazer tábula rasa dela.
AUMENTAR E MELHORAR A ILUMINAÇÃO A FIM DE TORNAR OS ESPAÇOS MAIS SEGUROS

AMPLIAR A REDE DE CRECHES PARA DINAMIZAR A ROTINA DOS TUTORXS

REPENSAR O TRANSPORTE PÚBLICO PARA QUE ELE DEIXE DE SER UM ESPAÇO OPRESSIVO

CRIAR FACHADAS ATIVAS EM TODA A EXTENSÃO DOS PRÉDIOS PARA QUE OS ESPAÇOS URBANOS POSSAM SER “VIGIADOS” 24H

REPENSAR OS CAMINHOS DA CIDADE, CONSIDERANDO TANTO OS FLUXOS MAIS GERAIS, COMO OS INTERMEDIÁRIOS

REPENSAR OS ESPAÇOS DESTINADOS A ESPORTES, AMPLIANDO SUAS POSSIBILIDADES DE USOS

UNIR ÁREAS DE COMÉRCIO COM ÁREAS DE HABITAÇÃO PARA ANIMAR A CIDADE E EVITAR LUGARES RESIDUAIS

CRIAR EQUIPAMENTOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA MULHERES, PRINCIPALMENTE EM ÁREAS PERIFÉRICAS

CRIAR ESPAÇOS PÚBLICOS COM USOS DIVERSIFICADOS

CRIAR ESPAÇOS DE AMPLA ACESSIBILIDADE



POR QUE LUGARES ESCUROS SÃO TÃO AMEDRONTADORES E PERIGOSOS?

Um dos grandes desafios para as pessoas utilizarem a cidade é a insegurança. Dessa forma, passar por determinados locais muitas vezes pode ser uma experiência muito desconfortável, principalmente quando eles estão escuros, sem saber o que está a sua volta.

São Paulo tem diversos espaços residuais, que a noite perdem ainda mais sua força pela escuridão total.

Para o gênero feminino, esse medo se amplia considerando todos os tipos de violência aos quais estão sujeitxs – assaltos, sequestros, estupros, feminicídios, entre outras.

Sendo assim, a medida em que os lugares ganham uma iluminação, isso faz com que as pessoas possam enxergam e entender o que está acontecendo à sua volta.

COMO AUMENTAR O NÚMERO DE CRECHES PODE AJUDAR NA ROTINA, PRINCIPALMENTE, DAS MÃES?

Na lógica social em que vivemos, as mulheres são muito mais cobradas das funções maternas do que os homens do seu papel de pai. Com isso, muitas têm que abdicar de sua carreira profissional pela falta de auxílio para cuidar dos filhos.

Além disso, quando conseguem colocar as crianças em alguma creche, elas tem de desviar o seu percurso para se adaptar à localização da creche.

Tais dificuldades já se encontram nas áreas centrais, mas ocorrem de forma muito mais ampla nas periferias.

Assim, ampliar o número de creches, bem posicioná-las em áreas estratégicas para favorecer o percurso das mães, é uma das formas de projetar pensando em como proporcionar um percurso mais bem continuo para elas e permitir com que elas possam escolher se querem continuar trabalhando.

POR QUE OS TRANSPORTES PÚBLICOS SÃO OPRESSIVOS PARA AS MULHERES?

Os ônibus, metros, trens, entre outros modais de transporte público, foram projetados de forma a conseguir concentrar o maior número de pessoas por unidade para aumentar o lucro das empresas que os financiam. Essa superconcentração acaba favorecendo agressores sexuais.

Muitas mulheres não se sentem seguras ao utilizar os transportes públicos, já que assédios se tornam cada vez mais constantes. Assédios tantos físicos, quanto verbais.

Repensar o desenho desses transportes, bem como ter um maior controle sobre a quantidade de passageiros, tornaria essa locomoção mais convidativa para as mulheres.

COMO A PARTIR DO ESPAÇO PRIVADO É POSSÍVEL CRIAR MAIS SEGURANÇA NO ESPAÇO PÚBLICO?

Muitos dos espaços residuais das cidades são aqueles em que os edifícios dão suas costas, ou seja, onde estão posicionadas as áreas de serviços (lavanderia, banheiro, elevadores, por exemplo). Assim, a forma como o espaço privado das edificações se consolida acaba interferindo na vivência que se tem do espaço público, podendo torna-lo inóspito pela falta de controle sobre ele.

Assim, essa hierarquização de fachadas torna-se problemática. Tentar alternar as fachadas sociais de forma a criar várias “frentes” pode ser um desafio por conta de questões mais técnicas (insolação, ventilação, por exemplo), porém um desafio que nós, estudantes da arquitetura, por meio dos nosso conhecimentos e estudos, temos capacidade de cumprir.

Assim, a partir do momento em que essas fachadas conseguem se alternar, o espaço público passa a ser vigiado pelas pessoas que estão dentro das edificações, uma espécie de “social eyes”, fazendo com que mais ruas se tornem seguras.

POR QUE DIVERSIFICAR OS FLUXOS DA CIDADE INFLUÊNCIA DIRETAMENTE A VIVÊNCIA DAS MULHERES?

Retomando mais uma vez a lógica social imposta para cada gênero, ainda fica sobre responsabilidade da mulher, de forma geral, cumprir as demandas do lar e da família. Sendo assim, seu trajeto não se resume a lógica CASA-TRABALHO-CASA, considerando que ela precisa aliar a sua rotina diversas “paradas”, como supermercado e farmácia.

Sendo assim, considerando que a lógica dos transportes públicos respeita apenas um fluxo mais geral, ou seja, o fluxo BAIRRO-CENTRO-BAIRRO, esse trajeto com várias paradas não é nem um pouco dinâmico e torna-se muito cansativo.

Sendo assim, uma diversificação dos fluxos seria uma forma de auxiliar essa rotina, pensando que nem todos tem o privilégio de seguir um único trajeto.

COMO CRIAR PRAÇAS E PARQUES, VOLTADOS AO ESPORTE, QUE SEJAM MAIS PLURAIS?

Os poucos lugares públicos destinados ao esporte na cidade de São Paulo ainda seguem um desenho muito burocrático: uma quadra de futebol, gradeada de todos os lados, com apenas uma única saída. Será que esse desenho é convidativo a todos os cidadãos?

Ao olharmos para o público que utiliza essas quadras, percebemos que ele é formado, de forma geral, por adolescentes do sexo masculino. Sendo assim, a partir do momento que eles “dominam” aquele espaço, muitas pessoas não se sentem confortáveis para compartilhar daquele local.

Tal desconforto é ainda maior quando uma menina quer utilizar aquele espaço. Isso porque, muitas vezes, esse espaço além de ser opressor para ela, acaba não sendo o ideal para ela realizar os tipos atividades que ela deseja.

É preciso pensar além dos esportes tradicionais, que no caso de São Paulo se resume basicamente ao futebol.

Muitas vezes, meninas costumam gostar de atividades em grupos menores, como jogos verbais e jogos com corda. Assim, quadras gradeadas não costumam cumprir as necessidades desse grupo.

Com isso, pensar essas praças para atender variados esportes, bem como playgrounds e espaços de estar mais diversificados e com mobiliários adequados, faz com que essas praças sejam mais convidativas para os diversos públicos.

COMO MESCLAR COMÉRCIO COM HABITAÇÃO TRAZ MAIS SEGURANÇA PARA A RUA?

A cidade de São Paulo apresenta largas extensões compostas apenas por residências muradas, tornando esses espaços muito vazios e escuros, sendo residuais dessas habitações. À noite, esses locais acabam ficando muito perigoso, fazendo com que o percurso de retorno ao lar aos pedestres seja amedrontador.

Muitos conjuntos residenciais acabam utilizando segurança particular como alternativa para viabilizar esses locais. Será que essa é a melhor solução?

Acreditamos que ao buscar unir comércios com as habitações, essas zonas não ficarão tão vazias e, as pessoas que estiverem utilizando esses comércios, trarão mais vida para esses locais e, consequentemente, mais segurança.

QUAL A IMPORTÂNCIA DE EQUIPAMENTOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA AS MULHERES?

As mulheres são as grandes vítimas da falta de acesso a políticas públicas adequadas. Criar espaços que sejam exclusivos para elas, ao longo de toda cidade, é apenas uma forma de fazer justiça social.

Temos consciência de que, apesar da arquitetura ter um papel essencial para auxiliar na vida das mulheres, ela não é a única fronteira que temos de enfrentar. Logo, projetar esses espaços de assistência é uma forma de conscientizar essas mulheres de seus direitos, bem como um lugar onde elas se sintam seguras.

Para isso, não basta projetar em pontos esporádicos, mas é necessária uma rede de apoio nas áreas centrais mas, principalmente, nas áreas periféricas.

QUAL A IMPORTÂNCIA DE DETERMINAR DIVERSOS USOS PARA UM ESPAÇO?

A cidade de São Paulo é marcada por vários espaços de estar, mas sem mobiliário adequado e sem usos determinados. Isso acaba inviabilizando esses espaços e negando a sua função original, ou seja, ao invés de tornar esses locais superpovoados e animar a cidade, acabam virando justamente residuais.

Assim, para tornar esses locais viáveis, é necessário implantar usos diversificados para que atenda diversos públicos e que esses espaços tenham uma dinâmica própria durante 24 horas.

SERÁ QUE A ACESSIBILIDADE REALMENTE É IMPORTANTE?

Repensar os caminhos e percursos da cidade de forma a atender às pessoas com necessidades especiais é essencial para cumprir o direito de ir e vir dos cidadãxs. É importante ressaltar que estão elencados nesse grupo pessoas como gestantes, crianças, idosos, pessoas com deficiência física, pessoas com deficiência visual, pessoas com crianças de colo, entre outros.

Assim, estabelecer um percurso viável para os pedestres, bem como viabilizar os modais de transporte, é uma maneira de integrar esses cidadãos nas dinâmicas urbanas e ceder à eles o direito que já é garantido por lei

AFINAL, UMA CIDADE QUE ATENDE ÀS NECESSIDADES DE UMA MULHER TRANS, NEGRA, PERIFÉRICA, CADEIRANTE, COM FILHOS PEQUENOS E QUE TEM DE FAZER DUPLA JORNADA DE TRABALHO, NÃO É BOA PRA QUEM?

Cartilha_SP_e_o_Feminino

ETAPA 02

Entendemos que não só as mulheres cis sentem-se vulneráveis no espaço público, mas também mulheres trans, homossexuais e toda e qualquer outra classificação que possa ser abarcada ou identificada em algum grau com o gênero feminino, sendo a relação deste com o espaço público nosso objeto de estudo.

Estando nós, arquitetas(os) e urbanistas, diretamente ligadas(os) ao planejamento e construção da cidade como a conhecemos – desigual e, no mínimo, hostil ao feminino -, nos é obrigatório repensar a forma como estamos fazendo nosso trabalho e para quem ele está direcionado.

Assim, pensar a cidade a partir de uma perspectiva de gênero é necessário para, de fato, se projetar uma cidade mais justa e igual, dando suporte às diferenças. É entender que, ao atender as demandas de grupos oprimidos, atenderemos as necessidades da população como um todo. Todo mundo ganha.

Tendo isso em vista, o grupo se propõe a investigar experiências de planejamento urbano a partir da perspectiva de gênero, se aproximando da experiência em Viena iniciada nos anos 90, com a intenção de entender as ferramentas ali usadas e aplicá-las, com as devidas adaptações ao contexto, em nosso modo de fazer cidade.

ETAPA 03

Para entendermos a cidade contemporânea em toda complexidade do seu caos é necessário compreender o contexto em que boa parte dos projetos arquitetônicos e urbanísticos foram formulados, tanto na amplitude teórica quanto na realização prática.

Atualmente, vivemos em um conflito entre a maneira com a qual a sociedade está se consolidando e o espaço em que ela está inserida. Essa divergência pode ser melhor interpretada ao entender as mudanças que ocorreram da passagem do século XX ao XXI, ou seja, da sociedade moderna para a sociedade contemporânea.

A sociedade moderna é marcada por um processo de regularização a partir de uma série de normas e diretrizes. Assim, a ciência e o Estado são as grandes referências que “ditavam as regras” de como a massa deveria agir. Criou-se uma formulação de que o homem moderno seria aquele dotado de razão, inserido na lógica do sistema de produção industrial e, dessa forma, adaptado à sociedade existente. Não haveriam variações dessa fórmula.

Os projetos da cidade moderna seguiram essa concepção do homem universal. Tais projetos, principalmente os que trabalham a questão do espaço público e da relação entre o público e o privado, invocaram um desejo por fazer deste espaço aquele que abriga este homem universal e, muitas vezes, desconsideraram as dinâmicas naturais e diferenças socioculturais do próprio espaço urbano.

A função do arquiteto muitas vezes se perde ao passar do campo das ideias para a prática. Entra-se na dialética da utopia e da distopia e, assim como afirma Bauman na obra “Modernidade Líquida”: “Quanto mais os valores preservados no pensamento forem protegidos da poluição, menos significativos serão para a vida daqueles a quem deve servir. Quanto maiores seus efeitos nessa vida, menos os efeitos nessa vida reformada fará lembrar os valores que induziram e inspiraram a reforma.”

Assim, de nada adianta toda a beleza teórica se esses ideais não se aplicam na prática. Tal modelo de cidade não abrange todo a pluralidade que a sociedade contemporânea trouxe consigo. Essa é marcada justamente por uma maior fluidez quando comparada à anterior. A “racionalidade” transforma-se em “racionalidades”, a obediência em libertação, a massa em individualidade.

Assim, para pensar esse “novo modelo de cidade” que tem de conviver com a cidade já existente, é necessário lançar um olhar e criar um cenário que realmente acolha todos os seus moradores. Algo que difere muito dos anseios modernos de padronização dos cidadãos, que saiba respeitar sua pluralidade e entender as necessidades.

Para isso, acreditamos que um bom caminho de análise é buscar compreender a maneira como a questão de gênero está inserida no viver da cidade. Boa parte das problemáticas que se identificam na cidade contemporânea estão justamente associadas a esse olhar lançado quase que exclusivamente ao homem, deixando de lado o gênero feminino, considerando que este vai muito além do “universo das mulheres”. É necessário englobar esse gênero em toda a sua pluralidade.

Sendo assim, os projetos que antes miravam nas necessidades apenas daquele homem universal, o único ao qual o direito à cidade deveria abranger, tornam-se insuficientes no que diz respeito a pluralidade contemporânea.

A comparação entre o dia e a noite ajuda a ilustrar como o pensar a partir do gênero feminino ajuda a fazer uma cidade mais democrática. A partir do momento em que tentamos solucionar as problemáticas do período noturno na cidade, consequentemente soluciona-se as questões do período diurno da cidade. Ao se cria equipamentos que permitem uma dinâmica noturna (iluminação e segurança, por exemplo), esses equipamentos serão suficientes para fomentar uma cidade segura durante 24 horas.

Tomando como base essas motivações, o grupo pretende abordar a questão do “fazer” o espaço público “pensando” sob a lógica do gênero feminino visando entender e consolidar o espaço urbano de uma forma que seja realmente democrática.

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